Os Motivos da Crise

Professor Metafix 1

A psicologia das crises financeiras já é bem conhecida e foi documentada maravilhosamente bem por Charles Mackay na obra prima, ?Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds?. Os ciclos de negócios na economia capitalista também são bem conhecidos. Mas o atual é bem diferente porque acontece num…

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Os Motivos da Crise: Como a Psicologia coletiva estourou os Mercados

A psicologia das crises financeiras já é bem conhecida e foi documentada maravilhosamente bem por Charles Mackay na obra prima, ?Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds?. Os ciclos de negócios na economia capitalista também são bem conhecidos. Mas o atual é bem diferente porque acontece num contexto da globalização. As causas dos ciclos são muitas e ainda não documentadas com precisão. O certo é que as economias se alteram entre ondas de crescimento e de recessão. Entretanto, a fase mais fascinante é o estado mental das pessoas que oscila entre uma euforia incontrolável durante o crescimento, e uma depressão mórbida durante a depressão.

A economia americana começa a ter as dificuldades típicas de recessão. Essas dificuldades tendem a crescer, mas por ora não são graves. Entretanto, poderão ser bastante pesadas para os mais pobres e os menos preparados. Sem dúvida, psicologicamente a crise será arrasadora para os que aplicaram somas de dinheiro no mercado financeiro e perderam quase tudo.

“O mercado financeiro passou intensamente por uma euforia que ultrapassou o nível da sensatez…”O mercado financeiro passou intensamente por uma euforia que ultrapassou o nível da sensatez capaz de elevar a lógica da razão ao seu pedestal inatingível pela ganância da especulação. No imaginário popular, que permeia até o mundo dos negócios e a mais sensata das pessoas, o sonho americano da riqueza era real e alcançável por todos. Nesse período, ele foi excepcional, exacerbado e profundo. Até os trabalhadores se perderam nos meandros da globalização, imaginando que poderiam competir com seus pares, que vivem de salários irrisórios do outro lado do mundo, e ainda contemplar uma aposentadoria condigna.

Em parte, a crença se deve à intensa pregação carente de razão, mas também porque a sociedade é otimista e muito aberta e oferece oportunidades que outras não podem oferecer. Não é raro, a mídia utilizar exemplos isolados de sucesso para estender a possibilidade a todos. Com poucos exemplos e numa atitude carente de fundamentos científicos, a mídia tenta comprovar a realidade dos sonhos e a força individual para atingir o nirvana do materialismo, sem abandonar a religiosidade pessoal.

Nesse sentido, essa década foi excepcional para os arautos do crescimento. Houve aumento de riqueza e de tanta ostentação que seria impossível duvidar das pregações contundes. Infelizmente, o aumento da riqueza foi tão desigual que deveria servir de exemplo contrário às pregações, mas não foi isso o que aconteceu. A sociedade inteira sonhou e lutou sem perceber ou sem querer aceitar que a produtividade social e a distribuição de renda ia ficando aquém das pretensões populares. É também inegável que o desemprego se manteve baixo, o tamanho das casas aumentou, os carros cresceram, as viagens se prolongaram, os cartões de crédito se multiplicaram e o sonho da aposentadoria precoce se aprofundou. Num estado de êxtase social, a fé inabalável no sistema se consolidou a posição de muitas pessoas que se apresentavam como provas de que tudo era possível.

Enquanto isso, Wall Street se aproveitava para inovar e inventar novas formas de investir os recursos dos paceiras. E, enquanto ela contabilizava os lucros das operações financeiras em somas jamais atingidas por qualquer economia em qualquer época, o povo ia se endividando para aproveitar as benesses do sistema como se fosse uma bênção divina de fôlego curto. As bençãos eram apregoadas até pelos evangélicos dos púlpitos que antes pregavam o medo do inferno e depois se transformaram em altares de sacrifício para imolar o pessimismo. Além da pregação do evangelho do progresso, os livros de auto ajuda se multiplicaram e confirmavam a pregação religiosa sem admitir qualquer religiosidade.

Tudo ia bem sob a sombra prolongada de um deficit na balança comercial e crescente aumento da dívida pública. Poucos se atreviam a fazer as contas porque no longo prazo os problemas sumiriam lentamente sem embargar os ganhos extraordinários do presente. Havia um mistério no ar, pois a indústria encolhia mas podia-se importar tudo, especialmente da China, sem afetar o nível de emprego doméstico. O desejo mundial pelo dólar sustentava todos déficits possíveis e financiava o consumo ostentoso de uma boa parcela da sociedade. Enquanto isso, os economistas ficaram mudos e os auratos de Wall Street comandaram o espetáculo num palco de ficção carente de realismo econômico. Mas como criticar o sucesso? Eis a questão esmagadora, pois o desejo transformava as pessoas em covardes da própria consciência e jamais teriam a coragem para desafiar os sagos das finanças.

As coisas mudaram rapidamente e, agora, a população convive com dificuldades, medo e desconfiança porque terá que fazer ajustes para conviver com a recessão que não foi convida mas chegou assim mesmo quando ninguém esperava. Assim, aos poucos desponta uma nova transformação que mudará a psicologia, o rumo da economia e a politica do país. Agora, a ilusão dos ganhos fáceis começa a ceder lugar para o temor de grandes perdas. O ambiente de incerteza ameaça até os velhinhos aposentados que temem o fim do seguro social. Nunca como antes a economia é assunto obrigatório até nos bares e restaurantes que se multiplicaram no período de prosperidade.

“A ilusão financeira obscureceu a coisa mais óbvia em matéria econômica, a de que não se gera riqueza promovendo troca de ativos financeiros, especialmente quando essas trocas são alavancadas em até 30 vezes o valor original e advém de vendas a descoberta”Infelizmente, a engenharia financeira de Wall Street ultrapassou os limites do bom senso e se enveredou por caminhos nunca percorridos pelo mercado. A falsidade de suas premissas iludiu tanto os leigos como os mais competentes na matéria. Até o velho Czar do FED, Alan Greenspan, admitiu perante o Congresso que errou e se enganou. Nem ele nem os outros foram capazes de se imunizar contra o vírus do sucesso fácil porque o próprio sucesso, inatingível pelas críticas, garantia que estavam no caminho certo. A ilusão financeira obscureceu a coisa mais óbvia em matéria econômica, a de que não se gera riqueza promovendo troca de ativos financeiros, especialmente quando essas trocas são alavancadas em até 30 vezes o valor original e advém de vendas a descoberta.

O jogo de soma zero é tolerável enquanto estiver restrito à mesa de jogo, mas quando o cassino procura socializar as perdas é hora de cair fora, de assumir os erros e contar os prejuízos. Entretanto, em vez de aceitar o veredicto, os engenheiros do sonho estão dando mais um golpe técnico, convencendo o governo a comprar ativos podres sob o argumento de que se esses perderem valor haverá efeitos colaterais negativos sobre o resto da economia.

Infelizmente, a ganância não tem limite e a insensatez não tem partido político. Até o atual governo ventilava a idéia de permitir as pessoas aplicarem as contribuições do seguro social no mercado financeiro. Um sonho digno de uma psicanálise profunda, porém compreensível dentro de um estado de alucinação popular. Nesse encantamento presagioso até o dinheiro passou a ter valor intrínseco e gerar esperança falsa de que era realmente riqueza.

Desde a bolha das chamadas ?ponto com?, na virada deste século, um turno de eventos auspicioso elevou a esperança de que aquela irrealidade poderia se repetir com a força da tecnologia financeira. A manipulação de ativos se expandiu por todos lados, enriqueceu aqueles que de alguma forma tiveram o privilégio de participar desses negócios e deixou muitos com água na boca, com desejo de investir em qualquer coisa porque tudo que passava pelas mão dos engenheiros das finanças dava lucro.

Sabemos que nesses momentos os atores quedam-se mudo às críticas, e estas são vista com suspeitas, mas Robert Schiller, notável professor da Universidade de Yale, no livro, ?Exuberância Irracional?, já tinha avisado que no longo prazo as ações na média não rendem mais do que a economia. Um fato óbvio e inegável, porém ignorado até pelos mais iluminados técnicos das finanças porque estes se consideravam exceção e acima da média de Schiller. Infelizmente o bolso reforça a teimosia de forma especial. Muitos técnicos ainda acreditam que aplicações financeiras podem render múltiplos do investimento original para todos. A idéia continua bloqueando até as mentes mais bem dotadas do setor. Estes ainda imaginam alcançar o mais elevado nível de desvio estatístico.

Sem dúvida, isoladamente não somos média e, até podemos ter ganhos extraordinários com sorte, engenho e arte, mas temos de ter consciência de que se trabalham com desvios que a qualquer momento podem voltar à média de retornos compatíveis com as taxas de crescimento médio da economia. Além do mais probabilidade não é certeza e pode ser cruel para aqueles que desafiam a lógica dos números aleatórios e não tomam precauções contra os eventos raros. Estes são arrasadores!

“Não podemos esquecer também de que a sensação das perdas e dos lucros não é simétrica, pagamos muito mais para não perder do que apostamos para ganhar. Isto porque a dor da perda é muito mais forte do que o prazer dos ganhos”Não podemos esquecer também de que a sensação das perdas e dos lucros não é simétrica, pagamos muito mais para não perder do que apostamos para ganhar. Isto porque a dor da perda é muito mais forte do que o prazer dos ganhos. Quem perdeu 30 por cento da riqueza se sente arrasado sem nunca ter alcançado esse valor em suas contas em termos reais. Mas não adianta argumentar de que não perderam nada ou de que apenas deixaram de materializar lucros. Psicologicamente não podem aceitar que os ganhos eram fictícios e ilusórios. Havia uma euforia econômica, um sonho tão forte que todos acreditavam na riqueza real como cristãos novos a beira de um arrebate espiritual. Agora, a sensação de prejuízo perdurará por muitos anos mesmo que não seja possível recuperar aquilo que nunca se perdeu.

Eureca! Até as companhias de seguros, que sabem e vivem da assimetria entre a dor das perdas e o prazer dos ganhos, enveredaram-se pelo caminho ilusório da engenharia financeira. Imaginavam que conseguiriam violar as leis de mercado, ou teriam poder para modificá-las em proveito próprio. Até o hedge, utilizado, em última instância, para proteger o sistema produtivo dos riscos advindo das variações de preço, foi desvirtuado pelos fundos ?hedge?. Estes, gananciosamente, utilizaram a alavancagem múltipla prometendo aos clientes que sabiam administrar os riscos mais do que o resto dos mortais. Estes, especificamente, caíram vítima da presunção exagerada. Esqueceram do risco sistêmico! Esqueceram também de que a média pode subir ou descer sem alterar o desvio padrão e os ganhos extraordinários também podem se perder de forma extraordinária!

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Comentários sobre “Os Motivos da Crise

  1. Um pensando em música,2 pensando em música, 3 pensando em música, 4 pensando em música…20 pensando em música: orquestra.
    Um pensando em crise, 2 pensando em crise, 3 pensando em crise, 1 bilhão pensando em crise: crise de pensamento.

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